Telemedicina veterinária: no que tange a ética no momento da pandemia da COVID-19.
Ismar Araujo de Moraes*
Em 23/04/2020
Recentemente foi publicada a Lei nº 13.989/2020, que dispõe sobre o uso da telemedicina
durante a crise causada pelo coronavírus (SARS-CoV-2) e naturalmente surgiu a discussão
sobre a possibilidade de exercer a telemedicina veterinária. Inclusive existe
projeto de Lei (PL
1667/2020) tramitando na Câmara dos Deputados que propõe alterar a Lei
n. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, para autorizar a prática da
telemedicina veterinária durante o estado de calamidade pública em decorrência
da Covid-19.
Inicialmente, para entender a complexidade do assunto, e
evitar posicionamentos sem o embasamento adequado, é preciso definir o que é telemedicina.
Segundo a lei publicada (13.989/2020) é o “exercício da medicina mediado por
tecnologias para fins de assistência, pesquisa, prevenção de doenças e lesões e
promoção de saúde” (art. 3º da Lei). Para
o Conselho Federal de Medicina, conforme a Resolução
CFM nº 1.643/2002, a telemedicina é
“o exercício da Medicina através da utilização de metodologias interativas de
comunicação audiovisual e de dados, com o objetivo de assistência, educação e
pesquisa em Saúde.”
Há de ser observado que diferentemente
da Medicina Veterinária onde o tema nunca foi regulamentado, na Medicina a telemedicina é um assunto que vem sendo discutido há muito
tempo. Inicialmente, o Conselho Federal de Medicina publicou as resoluções 1.638/2002,
1.639/2002
e 1.643/2002
trazendo regras que disciplinaram detalhadamente
o prontuário médico, critérios de sigilo de informações, manuseio de dados,
certificação de sistemas de informação para garantir a privacidade e confidencialidade, a
possibilidade de auditoria e autenticação de documentos. Ademais, em 2018, o
CFM publicou a Resolução
nº 2.227/2018, detalhando conceitos e requisitos para utilização de várias
ferramentas dentro da telemedicina, dentre elas: a teleconsulta (consulta médica
remota), a teleinterconsulta (troca de
informações e opiniões entre médicos), o telediagnóstico (emissão de laudos à distância),
teletriagem (ato médico voltado triagem e direcionamento de pacientes)
telemonitoramento ou televigilância (monitoramento à distância de pacientes em
regime de internação clínica ou domiciliar) e teleorinetação (ato médico
realizado para preenchimento a distância de declaração de saúde e para
contratação ou adesão a plano privado de assistência à saúde).
Não obstante o avanço, em fevereiro
2019, em virtude dos inúmeros pedidos de alterações na regra encaminhados pelos
médicos brasileiros para alteração dos termos da Resolução CFM nº 2.227/2018, e
do clamor de inúmeras entidades médicas, que pediram mais tempo para analisar o
documento e enviar também suas sugestões de alteração, o CFM decidiu pela revogação
do ato normativo e publicou a Resolução
CFM nº 2.228/2019.
No momento
atual com a publicação Lei nº 13.989/2020 e da portaria MS nº 467/2020, o assunto telemedicina voltou à tela, mas é
certo que, até mesmo na medicina, não há até a presente data uma regulamentação
mais detalhada sobre o tema. Salvo autorização do CFM, em caráter excepcional para
a utilização de apenas 3 ferramentas da
telemedicina nos estritos e seguintes termos: teleorientação: para que
profissionais da medicina realizem à distância a orientação e o encaminhamento
de pacientes em isolamento; telemonitoramento: ato realizado sob orientação e
supervisão médica para monitoramento ou vigência à distância de parâmetros de
saúde e/ou doença. teleinterconsulta: exclusivamente para troca de informações
e opiniões entre médicos, para auxílio diagnóstico ou terapêutico”. O CFMV
ainda recomenda que que todas consultas médicas eletivas sejam,
preferencialmente, suspensas. Caso não seja possível, que os médicos as realizem
sempre em concordância com as determinações das autoridades locais e do
diretor-técnico do serviço, respeitando-se as normas de higienização, proteção
individual e de restrição de contato preconizadas para evitar a disseminação do
vírus e propagação da COVID-19.
O que temos na Medicina Veterinária
acerca do tema, é tão somente o que consta no código de ética do profissional
inserido na Resolução 1138/2016 que sabemos adota como princípios fundamentais
o exercício da profissão com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade, o
empenho para melhorar as condições de bem-estar, saúde animal, humana,
ambiental, e os padrões de serviços médicos veterinários.
Na regra atual,
não havendo regulamentação para a telemedicina veterinária, o atendimento dos animais permitido é tão
somente o presencial. Para que haja mudança da regra será necessário
o amadurecimento das ideias junto aos Conselhos Regionais, Associações Profissionais, médicos-veterinários e a sociedade. Ainda, considerar
que a telemedicina no âmbito da veterinária impacta não somente o mercado pet,
mas também os animais de zoológico, criadouros e congêneres, e em um cenário
ainda mais delicado os animais de produção e consequentemente os alimentos de
origem animal que serão colocados à disposição da população.
Evidentemente, na regulamentação da
telemedicina veterinária, não poderão ser desconsideradas as diferenças entre
os pacientes humano e animal alvos da assistência remota. No caso da medicina
humana o paciente mesmo à distância poder falar informar com precisão onde
localiza-se suas dores, relatar com mais fidelidade náuseas, pruridos,
desconfortos e outros sintomas. Já medicina veterinária, o exame físico do
paciente, muitas vezes desmente as informações prestadas pelo responsável pelo
animal na anamnese, especialmente por aqueles clientes menos atentos aos sinais
que o animal apresenta.
Cabe chamar a atenção neste momento de crise
para o necessário cumprimento do código de ética, especialmente no que tange o
seu direito de profissional, o que lhe é vedado e na possibilidade de
responsabilização diante de problemas advindos de sua conduta.
Requer considerar principalmente os seguintes
dispositivos:
Art. 7º É direito do médico veterinário: …
… IV – prescrever, tratamento que
considere mais indicado, bem como utilizar os recursos humanos e materiais que
julgar necessários ao desempenho de suas atividades
V – escolher livremente seus clientes ou
pacientes, com exceção dos seguintes casos:
a) quando não houver outro médico
veterinário na localidade onde exerça sua atividade;
b) quando outro colega requisitar
espontaneamente sua colaboração;
c) nos casos de emergência ou de perigo
imediato para a vida do animal ou do homem.
Parágrafo único. No caso de haver
cumprido fielmente suas obrigações com pontualidade e dedicação e não houver
recebido do cliente um tratamento correspondente ao seu desempenho, o médico
veterinário poderá retirar sua assistência voluntariamente ou negar ao
atendimento, desde que seja observado o disposto no inciso V deste artigo.
Art. 8º É vedado ao médico veterinário: …
… XV – receitar sem prévio exame
clínico do paciente;…
Art. 9º O médico veterinário será
responsabilizado pelos atos que, no exercício da profissão, praticar com dolo
ou culpa, respondendo civil e penalmente pelas infrações éticas e ações que
venham a causar dano ao paciente ou ao cliente e, principalmente;
I – praticar atos profissionais que
caracterizem:
a) a imperícia;
b) a imprudência;
c) a negligência
Considerando essa situação de grave crise
sanitária que vem nos assolando, determinada pela pandemia da COVID-19, sua rapidez
e imprecisão quanto a evolução, inclusive divergências de informações, um novo
cenário regulatório poderá ser bem-vindo para respaldar os profissionais para continuem
com o objetivo sempre maior de permanentemente buscar a saúde única (humana,
animal e ambiental).
Finalmente, não
obstante a observância do código de
ética profissional, cabe aos
profissionais médicos-veterinário o entendimento de que deve prevalecer as recomendações
de atendimento já publicadas pelo CFMV e que estão em consonância com essas que
ora são apresentadas neste artigo.
* Médico Veterinário (CRMV-RJ nº 2753), Professor Titular do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da Universidade Federal Fluminense (UFF).