ÉTICA EM MEDICINA VETERINÁRIA

OZONIOTERAPIA NA MEDICINA VETERINÁRIA: uma análise sob o ponto de vista ético.

Ismar Araujo de Moraes*

Em 14/07/2018.

 

       Recentemente houve uma discussão interessante sobre o uso da ozonioterapia (mistura de ozônio e oxigênio para fins de tratamento) na prática clínica com pacientes humanos, motivada pelas informações veiculadas na mídia sobre as suas propriedades anti-inflamatórias, antissépticas, moduladoras do estresse oxidativo e na melhoria da circulação periférica e da oxigenação, entre outros benefícios.  Quanto a isso Conselho Federal de Medicina veio a público esclarecer que essa terapia é desprovida de comprovação científica e portanto não tem seu uso permitido na prática médica. Inclusive fez declarações sobre ter se posicionado contra um Projeto de Lei (nº 227/2017 do Senado Federal) que tramita no Congresso  Nacional que visa autorizar a prescrição da ozonioterapia como tratamento médico de caráter complementar em todo o território nacional. O CFM considera a ozonioterapia como um procedimento experimental para a prática médica, só podendo ser realizada sob protocolos clínicos de acordo com as normas e em instituições devidamente credenciadas (Resolução CFM nº 2.181, de 20 de abril de 2018).

 

       Na medicina veterinária também vem sendo divulgado que a ozonioterapia representa um tratamento fácil, eficiente e de baixo custo, capaz de trazer benefícios para o restabelecimento da saúde animal, principalmente em doenças inflamatórias ou degenerativas osteomioarticulares e úlceras e infecções cutâneas por vários agentes etiológicos.

 

       Uma questão que se é impõe é: o uso da ozonioterapia está dentro dos preceitos éticos da Medicina Veterinária?

 

       A leitura do código de ética do Médico Veterinário (Resolução CFMV nº 1138, de 16 de dezembro de 2016) mostrará que assim como na Medicina Humana, a prática também é condenável sob o ponto de vista ético na Medicina Veterinária.

 

       O código de ética do Veterinário esclarece que qualquer tratamento a ser indicado para um paciente deverá contar com as explicações necessárias para que o cliente fique ciente dos riscos trazidos pelo tratamento para o seu animal (Art. 6º São deveres do médico veterinário: X – informar a abrangência, limites e riscos de suas prescrições e ações profissionais). Se a ozonioterapia ainda não foi devidamente testada e comprovada, nem na medicina humana e nem na veterinária, como poderia um profissional alertar seus clientes quanto a possíveis riscos? Isso por si só já impossibilita a sua indicação dentro do que prevê a ética profissional. Agrava-se o fato, pois submeter um animal à riscos desnecessários poderá ser considerada  prática de ato cruel contra ele, o que é novamente vedado pelo código de ética (Art. 8º É vedado ao médico veterinário: XX – praticar ou permitir que se pratiquem atos de crueldade para com os animais nas atividades de produção, pesquisa, esportivas, culturais, artísticas, ou de qualquer outra natureza). Quanto a estes artigos, se infringidos, o código de ética indica gravidades que variam de leve a grave e prevê a aplicação de penalidades que variam entre censura confidencial, censura pública ou até a suspensão do exercício profissional por até 90 dias.

 

       Quanto a divulgar a ozonioterapia como prática aceitável na Medicina Veterinária ou dar publicidade sobre o seu oferecimento como tratamento, a proibição fica bastante clara no código de ética do Médico Veterinário (Art. 8º É vedado ao médico veterinário: VIII – divulgar informações sobre assuntos profissionais de forma sensacionalista, promocional, de conteúdo inverídico, ou sem comprovação científica). Mais uma vez a carência de comprovação científica vem dar base para a aplicação da penalidade Censura pública prevista para a infração deste artigo.

 

       A ozonioterapia é uma opção de tratamento sem comprovação científica e se prescrita por um Médico Veterinário,  será entendido que ele está praticando uma “testagem” ou “experiência” com a mesma. Neste aspecto passa cometer um crime,  pois o uso de animais para fins didáticos ou de pesquisa só é permitido em instituições de ensino e pesquisa (Lei nº 11.794, de  8 de outubro de 2008). Por sua vez o código de ética do veterinário traz artigo que prevê a prática de crime ( Art. 8º É vedado ao médico veterinário: V – praticar atos que a lei defina como crime ou contravenção) e as penalidades previstas de censura confidencial ou pública.

 

       O Médico Veterinário não poderia alegar desconhecer as legislações existentes, pois seu código de ética também prevê que todo profissional deve conhecer os regulamentos afetos à sua atividade (Art. 17. O médico veterinário deve: I – conhecer as normas que regulamentam a sua atividade) e principalmente aquela relacionada com a proteção animal (Art. 18. O médico veterinário deve: I – conhecer a legislação de proteção aos animais, de preservação dos recursos naturais e do desenvolvimento sustentável, da biodiversidade e da melhoria da qualidade de vida). Outro aspecto a ser considerado é que o código de ética segue leis maiores, e também proíbe os médicos veterinários de realizar testes experimentais em animais sem a devida aprovação em uma Comissão de Ética (CEUA) para uso de animais (Art. 8º É vedado ao médico veterinário: XXII – realizar experiências com novos tratamentos clínicos ou cirúrgicos em paciente, cujo projeto de pesquisa não tenha sido submetido e aprovado por Comitê de Ética).  O código também aduz que um Médico Veterinário somente poderia usar a azonioterapia se não houvesse outro método substitutivo e de uso consagrado para o objetivo da cura do processo patológico ou doença (Art. 18. O médico veterinário deve: IV – usar os animais em práticas de ensino e experimentação científica, somente em casos justificáveis, que possam resultar em benefício da qualidade do ensino, da vida do animal e do homem, e apenas quando não houver alternativas cientificamente validadas), fato que não se evidencia.

 

       Assim, de todo o exposto,  conclui-se que o tratamento exclusivamente por meio do uso de ozônio deverá ser considerado como não recomendado*, haja vista a prerrogativa da atividade do Médico Veterinário em zelar pelo bem estar do animal, sempre com o melhor de sua capacidade, e a previsão de punições por infração ao código de ética do profissional que concorre inclusive para o risco de suspensão do seu exercício profissional.

Notas do autor:

14/07/2018. O CFMV ainda não se posicionou quanto a possibilidade do uso  da ozonioterapia de modo  complementar a outros tratamentos.

17/07/2018. O CRMV-RJ republicou o artigo, indicando ser este o entendimento do Regional e a orientação aos relatores para a aplicação penalidades nos casos de Processos Éticos Profissionais  no âmbito do estado do Rio de Janeiro. Acesse aqui.

17/12/2018. O CFMV republicou o artigo, intitulado “Alerta ético sobre uso da Ozonioterapia” indicando ser este o entendimento do órgão máximo da Medicina Veterinária brasileira. Acesse aqui.

18/12/2018 – O CFMV ratificou o seu posicionamento sobre a prática da ozonioterapia indicando que seu uso implica em falta ética, haja vista a falta de comprovação científica suficiente para o seu reconhecimento como aplicável na Medicina Veterinária, orientando, portanto, a adoção das penalidades cabíveis nos processos éticos profissionais em todo território nacional. Acesse aqui.

 

Bibliografia Consultada.

  1. BRASIL. Lei nº 11.794, de  8 de outubro de 2008. Regulamenta o inciso VII do § 1o do art. 225 da Constituição Federal, estabelecendo procedimentos para o uso científico de animais; revoga a Lei no 6.638, de 8 de maio de 1979; e dá outras providências. Publicado no DOU de 9.10.2008.

     

  2. CFM. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.181, de 20 de abril de 2018.  Aprova o Código de Processo Ético-Profissional no âmbito do Conselho Federal de Medicina (CFM) e Conselhos Regionais de Medicina (CRMs). Publicada no D.O.U. de 27/10/2016.

     

  3. CFMV. Conselho Federal de Medicina Veterinária. Resolução nº 1.138, de 16 de dezembro de 2016. Aprova o Código de Ética do Médico Veterinário no âmbito do Sistema CFMV/CRMVs. Publicada no D.O.U. de 25/01/2017.

 

 

* Médico Veterinário (CRMV-RJ nº 2753), Professor Titular do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da Universidade Federal Fluminense (UFF).

 

 

 

 

 

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