ÉTICA EM MEDICINA VETERINÁRIA

O juramento do médico veterinário na história da medicina veterinária brasileira.

Ismar Araujo de Moraes*

Em 12.12.2017

       O juramento do médico veterinário é ato obrigatório em todas as solenidades de formatura em medicina veterinária e faz parte do conjunto de peças que compõem as nobres tradições da medicina veterinária e deve ser respeitado conforme indica o código de ética da profissão. Decerto que é um elemento da simbologia que marca o momento em que o acadêmico concluinte do curso de Veterinária se torna profissional Médico Veterinário em condições de receber sua cédula de identidade junto ao Conselho Regional após a certificação pela Instituição de Ensino Superior. É no momento de sua colação de grau que diante do público presente das autoridades de ensino se compromete sob juramento respeitar as regras e tradições da profissão, a sociedade, o meio ambiente e o bem-estar dos animais.
O primeiro texto encontrado em nosso levantamento sobre a história dos juramentos chamou a atenção para um comportamento baseado na “consciência do seu dever” indicando não praticar a arte de curar, pesquisar e sanear, tão somente de maneira a não corromper os costumes ou favorecer o crime. Esse juramento tange a ética, mas não necessariamente indica um compromisso ético a ser seguido. Eis o seu texto.

 

“Prometo, no exercício da profissão de Médico Veterinário, só executar atos ditados pela consciência do meu dever, exercendo a arte de curar, pesquisar e sanear, com honra e dignidade, nunca me servindo da profissão para corromper os costumes ou favorecer o crime.
Se eu cumprir este juramento com fidelidade, goze para sempre, a minha vida e a minha arte, de boa reputação entre os homens; se o infringir ou dele me afastar, suceda-me o contrário”.

 

      Na busca efetuada não foi encontrado um instrumento normativo na forma de uma resolução do CFMV indicando o texto informado acima, mas observamos que ele esteve presente nos convites para as solenidades de formatura da ocasião. Decerto ele não fez parte do primeiro código de ética do profissional médico veterinário brasileiro estabelecido pela Resolução CFMV nº 23 de 10 de outubro de 1969.
Após a publicação da Resolução CFMV nº 322 de 15 de janeiro de 1981 no DOU de 3 de fevereiro de 1982, o juramento a ser lido nas solenidades ressaltou um compromisso frente a sociedade para usar “o melhor de sua habilidade e competência” na arte de curar, pesquisar e sanear e ainda incluiu a atividade de inspecionar. A nova redação também substituiu a palavra crime por desonestidade que pode ser entendido como um termo mais abrangente sob o ponto de vista do comportamento. A palavra Deus também foi incluída no juramento indicando a influência da religião na cultura brasileira. Seu texto foi o que segue.

 

“Prometo no exercício da profissão de médico veterinário, atuar com o melhor da minha habilidade e competência, exercendo a arte de curar, pesquisar, inspecionar e sanear, com honra e dignidade.
Prometo respeitar a vida animal e nunca me servir da profissão para corromper os bons costumes ou favorecer a desonestidade.
Se eu respeitar esse juramento e não o violar estarei em paz comigo e com Deus.”

 

       O juramento indicado pela Resolução CFMV nº 722 de 16 de agosto de 2002 que passou a ser o obrigatoriamente prestado a partir da data da sua publicação no DOU em 16/12/2002 também demonstrou a influência religiosa e trouxe, pela primeira vez na história dos juramentos a promessa do Médico Veterinário de cumprir os “dispositivos legais e normativos, com especial atenção ao código de ética”. Na nova redação os egressos dos cursos de veterinária passaram a prometer que todas as suas atividades profissionais, mesmo aquelas em benefício da prevenção ou cura de doenças animais, deveriam ser feitas com o objetivo final centrado no homem. Esse objetivo traduziu bem o antropocentrismo reinante da ocasião. O texto também incluiu a necessidade de compromissar-se com a ordem pública, os bons costumes, e guarda do sigilo profissional. Eis a redação.

 

Sob a proteção de Deus PROMETO que, no exercício da Medicina Veterinária, cumprirei os dispositivos legais e normativos, com especial atenção ao Código de Ética, sempre buscando uma harmonização perfeita entre ciência e arte, para tanto aplicando os conhecimentos científicos e técnicos em benefício da prevenção e cura de doenças animais, tendo como objetivo o Homem.
E prometo tudo isso fazer, com o máximo respeito à ordem pública e aos bons costumes, mantendo o mais estrito segredo profissional das informações de qualquer ordem, que, como profissional tenha eu visto, ouvido ou lido, em qualquer circunstância em que esteja exercendo a profissão.
Assim o prometo.

 

        Este texto foi alterado pela Resolução CFMV Nº 859, de 16 de maio de 2017. E com a nova redação o Médico Veterinário passou a assumir o compromisso de aplicar os seus conhecimentos não somente para prevenir e curar doenças dos animais, mas também para o benefício do bem-estar dos animais, da qualidade dos seus produtos e da prevenção de zoonoses. Observa-se que o juramento se tornou menos antropocêntrico, pois deixou de centrar o objetivo no homem e estendeu o compromisso para com a promoção do desenvolvimento sustentado, a preservação da biodiversidade, a melhoria da qualidade de vida e o progresso justo e equilibrado da sociedade humana. Este juramento teve a seguinte redação:

 

“Sob a proteção de Deus, PROMETO que, no exercício da Medicina Veterinária, cumprirei os dispositivos legais e normativos, com especial respeito ao Código de Ética da profissão, sempre buscando uma harmonização entre ciência e arte e aplicando os meus conhecimentos para o desenvolvimento científico e tecnológico em benefício da sanidade e do bem-estar dos animais, da qualidade dos seus produtos e da prevenção de zoonoses, tendo como compromissos a promoção do desenvolvimento sustentado, a preservação da biodiversidade, a melhoria da qualidade de vida e o
progresso justo e equilibrado da sociedade humana. E prometo tudo isso fazer, com o máximo respeito à ordem pública e aos bons costumes.
Assim o prometo”.

 

       Desde o dia 9 de setembro de 2017, data em que passou a viger a Resolução CFMV nº 1138, de 16 de dezembro de 2016, conforme se verá no texto abaixo informado, o juramento foi bastante simplificado, despido de religiosidade, obrigando profissional e se compromissar com a atuação sempre norteada por regulamentos, inclusive seu código de ética. Também obriga buscar a harmonia entre a ciência e a arte, não mais atuando de modo centrado no homem, e sim objetivando um desenvolvimento científico e tecnológico com benefícios para a saúde única, que inclui a humana, a animal e a ambiental, para o desenvolvimento sustentável e para o bem-estar do animal. E de modo inaugurador, o atual juramento passou a ser efetivamente um “juramento”, e não mais uma “promessa” diante do público, pois substituiu a expressão “eu “prometo” por “eu juro”. Eis o seu texto.

 

“Juro que, no exercício da Medicina Veterinária, cumprirei os dispositivos legais e normativos, respeitando o Código de Ética profissional, buscando harmonia entre ciência e arte, aplicando meus conhecimentos para o desenvolvimento científico e tecnológico em benefício da saúde única e bem-estar dos animais, promovendo o desenvolvimento sustentável.
Assim eu juro!

 

       Pode ser concluído que houve sim um avanço interessante na medida em que os juramentos vieram sendo substituídos por meio de publicações e atualizações do código de ética. E até que uma nova resolução traga um novo código de ética será esse o juramento prestado por todos os concluintes dos cursos de graduação em Medicina Veterinária do Brasil.
O sistema CFMV/CRMV e a sociedade esperam que todos os profissionais ajam de acordo com a sua consciência de profissional e de cidadão, sempre atentando que o que o seu juramento se aplica não somente na prática profissional, mas também no seu modo de vida.

 

 

* Médico Veterinário (CRMV-RJ nº 2753), Professor Titular do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da Universidade Federal Fluminense (UFF).

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