ÉTICA EM MEDICINA VETERINÁRIA

Considerações sobre a ética profissional em áreas da saúde.

Ismar Araújo de Moraes*

Em. 09/06/2018

       Sob o ponto de vista filosófico a ética pode ser definida de várias formas, entre elas como sendo o ramo da filosofia dedicado aos assuntos morais. Do ponto de vista prático pode ser vista como um conjunto de regras e preceitos de ordem valorativa e moral que buscam encontrar o melhor modo de viver em sociedade. Assim sendo, um cidadão ético é visto como sendo aquele que age dentro dos padrões convencionais; procede bem, sem prejudicar o próximo e cumpre os valores estabelecidos pela sociedade em que se vive.  A ética profissional, por sua vez, compreende um conjunto de normas de comportamento que devem ser seguidas pelos profissionais no exercício de seu trabalho. Por conseguinte, um profissional ético será aquele que segue as regras do seu código de ética profissional, que demonstra um bom comportamento em todas as suas atividades e que atua sempre com respeito ao interesse comum e em harmonia com a sociedade.

      Cada profissão dispõe de um código de ética profissional que apresenta as normas que devem ser seguidas pelo profissional no exercício de seu trabalho e na conduta em sociedade. Seus textos são definidos por resoluções dos Conselhos Federais das Profissões e cabe ao conselhos de fiscalização do exercício profissional em nível regional agir no sentido de garantir o cumprimento das regras, agindo como o tribunal de honra da profissão quando necessário.

       Neste artigo foram considerados os códigos de ética das profissões Biologia, Biomedicina, Medicina e Medicina Veterinária publicados na forma de resoluções no diário oficial da União, para serem feitas cumpridas pelos profissionais registrados nos seus conselhos regionais, respectivamente: CRBio, CRBM, CRM e CRMV.

       De um modo geral, são poucas as diferenças existentes nos códigos de ética, pois há elementos da ética profissional que são universais e por isso aplicáveis a qualquer atividade profissional, como a honestidade, responsabilidade, e a competência. Além disso os princípios éticos são entendidos como regras básicas de comportamento que objetivam um convívio harmônico entre as pessoas e com foco no benefício sociedade. As diferenças quando existentes são relativas às funções específicas e às atribuições que são exclusivas das classes profissionais.

       Preliminarmente os códigos de ética das quatro profissões consideradas apresentam os princípios fundamentais que devem reger o exercício profissional. Os princípios comuns observados são: o máximo de zelo nas atividades laborais, a preservação do bom nome da classe profissional, a garantia do aperfeiçoamento contínuo e atuação em benefício do meio ambiente, da vida humana e/ou animal.  No que se refere aos direitos fundamentais dos profissionais, os códigos de modo semelhante preveem: exercer a profissão livre de qualquer tipo de preconceito, recusar atuar em condições indignas ou inadequadas e requerer desagravo público quando atingido no exercício da profissão e ainda, estabelecer ou receber remuneração justa. Como direitos fundamentais são exigidos: o respeito ao código de ética da profissão e às leis e normas no exercício da profissão, o aprimoramento contínuo dos conhecimentos, assim como o dever de denunciar às autoridades competentes ou ao Conselhos Regionais de Fiscalização do exercício das classes respectivas, os desvios do regulamento que forem do conhecimento do profissional.

       Os códigos de ética trazem alguns capítulos onde alguns assuntos são destacados em face de sua importância para o comportamento ético dos profissionais das classes. Observa-se neste aspecto um capítulo que trata da relação com os colegas e com outros profissionais com previsões deontológicas em comum, tais como: manter o respeito mútuo, não praticar concorrência desleal, não ser conivente com erros e desvios éticos, não se aproveitar da condição hierárquica superior, assim como não criticar ou fazer comentários desabonadores sobre colegas ou seus serviços profissionais. Relativo à publicidade nas profissões, capítulo comum às quatro profissões consideradas constam como deveres a divulgação dos serviços sempre de modo discreto, jamais informando preços de serviços ou apresentando  fotos que identifiquem pacientes ou clientes sem a devida autorização. Da mesma forma são proibidas a participação em de publicidade enganosa, a atribuição de autoria de trabalho científico sem a sua participação e ainda envolver nome de outros autores sem a devida autorização.

       Quantificando os artigos dos códigos de ética que tratam de regras deontológicas a serem consideradas pelos profissionais observam-se 37, 91, 108 e 118 respectivamente para biólogos, biomédicos, veterinários e médicos.  O código de ética da Biologia é o que apresenta o menor número de deveres, no entanto vale ressaltar que ele já conta com 16 anos, e salvo melhor juízo, já requer uma revisão para melhor atender as expectativas da classe e da sociedade. No que se refere às regras diceológicas, ou dos direitos, os códigos da Biologia, Biomedicina, Veterinária e Medicina  trazem respectivamente 5, 12, 10 e 6 artigos.

       As profissões consideradas dispõem de resoluções específicas para aprovar os seus Códigos de Processo Ético-Profissional (CPEP). Diferentemente de um código de ética, o CPEP é aquele que instrui sobre o rito processual, ou seja, as regras que devem ser cumpridas durante a tramitação do processo de modo a evitar erros que concorram para a nulidade do processo, os erros de julgamento e para a aplicação incorreta das penalidades nos casos de condenação do profissional envolvido.

       De modo isonômico as profissões consideradas adotam como fases do processo ético profissional: a análise das denúncias, o inquérito ou instrução processual, a relatoria e o julgamento. Da mesma forma preveem que os processos tramitem e sejam julgados na primeira instância no nível do conselho regional, cabendo recurso em caso de discordâncias das partes na segunda instância considerada como sendo o  conselho federal da classe.

       A forma de apresentação das denúncias contra profissionais da Biologia e da Medicina Veterinária restringe-se a forma escrita. Já na Medicina e Biomedicina os CPEP incluem ainda a apresentação de modo verbal, a qual será traduzida a termos por funcionário do conselho regional.

       Entre os denunciantes podem figurar com representantes as pessoas físicas, jurídicas, os órgãos de classe, as associações de natureza pública ou privada e o próprio conselho regional quando há conhecimento de fatos que indicam desvios da norma ética, situação essa considerada como “de ofício”. A denúncia anônima é citada como possível somente no CPEP da Biomedicina obrigando ao CRBM considera-la como denúncia “de ofício”. Desta forma, a previsão não difere sobremaneira dos demais conselhos aqui considerados, pois dizem as regras dos demais que cabe ao presidente admitir as denúncias “de ofício” sempre que chegar ao seu conhecimento fatos e comprovações de ocorrências de infrações éticas.

       A análise das denúncias, com ou sem representação formal, será feita preliminarmente pelos presidentes dos conselhos regionais. Os CPEP das profissões apresentam instruções diferentes sobre a maneira como estas denúncias devem ser tratadas. No CRMV presidente tem a autoridade para analisar e arquivar sem conhecimento do plenário, no entanto isto não é possível para os presidentes dos CRBio e CRBM, onde o arquivamento por sugestão do presidente se faz somente por decisão em plenária.  Na medicina, o plenário não participa de decisões na fase de análise de denúncias, essa função é inicialmente do corregedor do CRM, ou da comissão de sindicância se este indicar, ou ainda em última instância, da câmara de sindicância. O plenário do CRM somente participaria da decisão sobre admissibilidade ou não de denúncia para fins de envio para a Câmara de Sindicância no caso de o denunciante apresentar recurso ao não concordar com um arquivamento já decidido pela Câmara.

       Na fase de análise das denúncias, à exceção da Medicina Veterinária, são permitidas diligências para buscar elementos que venham confirmar ou não a infração ao código de ética, assim como são permitidas as conciliações entre as partes denunciante e denunciada. Uma orientação para o arquivamento da denúncia pode ser feita caso haja desistência da parte denunciante em se tratando de denúncias apresentadas ao CRM.  O CRMV e CRBM não aceitam a desistência da parte, caso isso ocorra a denúncia passa a ser tratada como “de ofício”. A biologia não faz referência ao caso no seu CPEP. Concorrem ainda para o arquivamento das denúncias em todos os conselhos considerados a falta de comprovação da infração e a falta de identificação do denunciante ou denunciado

       Para que haja admissibilidade da denúncia e abertura do processo ético o procedimento é simples no caso da Medicina Veterinária, pois o presidente do CRMV diretamente, ou baseado na decisão do plenário nos casos de denúncias “de oficio”, nomeia um conselheiro instrutor para a fase de inquérito. O mesmo se dá no CRBM, onde sempre após decisão da plenária, um instrutor também é nomeado pelo presidente para conduzir o inquérito.

        Diferentemente, a admissibilidade da denúncia e orientação para abertura de processo é sempre da competência da COFEP (Comissão de Fiscalização do Exercício Profissional) no CRBio. Uma vez recebida a denúncia caracterizada como “de ofício” o presidente do CRBio encaminha para análise da COFEP e o mesmo é feito com denúncias com representação munidas de provas suficientes da infração cometida. Há exceção quanto à denúncia desprovida de provas, neste caso o presidente do CRBio deverá levar à consideração do plenário para o devido arquivamento.

       O caminho mais longo para abertura de um processo ético profissional (PEP) é observado no CRM onde a principal instância decisória é a sua Câmara de Sindicância. As denúncias “de ofício” são encaminhadas pelo presidente diretamente para a Câmara, e em se tratando de denúncias com representação estas serão encaminhadas para o Corregedor do CRM, que por sua vez analisará a denúncia. Havendo dados de comprovação, o corregedor encaminhará para a Câmara de Sindicância, não encontrando provas suficientes, poderá solicitar maiores informações do denunciante dentro de até 15 dias. Não sendo havendo resposta do denunciante a denúncia será de pronto encaminhada para análise da Câmara de Sindicância. Se houver resposta do denunciante com apresentação de provas suficientes para análise do corregedor, este deverá encaminhar para a Comissão de Sindicância do CRM para que por meio de nova análise proceda a um relatório sobre os fatos com indicação da atitude que deverá ser tomada. Se a resposta do denunciante não permitir conclusão de ocorrência de infração o corregedor emite um parecer a ser julgado pelo plenário do CRM.

       A denúncia analisada pela Câmara de Sindicância do CRM resultará  em um relatório que apresenta uma das cinco possibilidades ou destinos: conciliação, termo de ajuste de conduta (TAC), abertura de processo administrativo para avaliar doença do médico envolvido, arquivamento ou abertura de PEP. A conciliação, o TAC e o arquivamento têm regras especiais para sua proposição e excluem a possibilidade de serem sugeridas nos casos que envolvem óbito, assédio sexual e lesão corporal grave. Se a Câmara decidir pela abertura ou instauração do processo ético profissional, o corregedor será a autoridade que fará a sua instauração. Essa competência de instauração de PEP no CRBio, CRBM e CRMV é somente do seu presidente.

       Uma vez instaurado um PEP em qualquer dos conselhos considerados neste artigo, ele deverá tramitar sob sigilo, seguir a forma típica dos autos judiciais, não sendo permitidas conciliações entre as partes (CRBio, omite proibição da possibilidade de conciliação) e nem admitida a desistência da parte denunciante (igualmente, o CRBio omite tal proibição).

       A instauração permite o início da fase de inquérito (ou instrução) caracterizada pelos procedimentos de depoimento das partes e testemunhas, juntada de documentos, e diligências necessárias para elucidação dos fatos. Nesta fase, sendo localizado o denunciado ou não tendo este apresentado defesa, presidente do Regional deverá nomear um defensor dativo, podendo ser advogado ou outro profissional da classe que não um dos conselheiros, para proceder a defesa do denunciado.  No CRBio a instrução fica a cargo da COFEP que é composta por três membros, no CRBM pela Comissão ética de três membros nomeados pelo presidente do regional para o caso, no CRM pelo conselheiro instrutor nomeado pelo presidente da Câmara de Sindicância e no CRMV pelo conselheiro instrutor nomeado pelo presidente do CRMV. Um relatório com todas as ocorrências deverá ser incluído no processo ético profissional para que seja considerado na fase seguinte de relatoria.

       Encerrada a fase de inquérito um conselheiro  relator deverá ser nomeado para que faça o seu relatório e emita o voto pela condenação ou absolvição do denunciado e ainda indicar os artigos tacitamente infringidos e as penalidades que são devidas para o caso analisado. No caso do CRM um conselheiro revisor também será nomeado para em paralelo fazer o seu relatório.

       Encerrada a fase de relatoria é marcado o julgamento em uma sessão plenária extraordinária onde todas as partes e seus representantes são convocadas para prestarem esclarecimentos adicionais para os conselheiros presentes na sessão plenária de julgamento, se necessário. Lido o voto é aberta a votação para que seja decidido pela absolvição ou condenação do denunciado. Diferentemente do demais conselhos regionais considerados, o CRBio não convoca uma reunião extraordinária e o julgamento é feito em uma sessão ordinária sem a presença de qualquer das partes ou de seus representantes legais.  De acordo com o CPEP do CFBio o resultado deverá ser informado por correspondência ao denunciado e não é feito referência a necessidade de comunicação do denunciante.

       As penalidades que podem ser impostas aos denunciados julgados em PEP são indicadas nas leis federais que criaram as profissões conforme abaixo.

BIOLOGIA E BIOMEDICINA

  • advertência;
  •  repreensão;
  • multa equivalente a até dez vezes o valor da anuidade;
  • suspensão do exercício profissional pelo prazo de até três anos;
  • cancelamento do registro profissional.

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MEDICINA

 

  • advertência confidencial em aviso reservado;
  • censura confidencial em aviso reservado;
  • censura pública em publicação oficial;
  • suspensão do exercício profissional até 30 (trinta) dias;
  • cassação do exercício profissional.

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MEDICINA VETERINÁRIA

 

  • advertência confidencial, em aviso reservado;
  • censura confidencial, em aviso reservado;
  • censura pública, em publicação oficial;
  • suspensão do exercício profissional até 3 (três) meses;
  • cassação do exercício profissional

       As penalidades previstas para Biólogos e Biomédicos são as mesmas pois foram criadas pela mesma lei.

       As penalidades aplicadas são normalmente classificadas de acordo com a sua gravidade como levíssimas, leves, moderadas, graves e gravíssimas, iniciando-se com a “advertência” quando levíssima e culminando com a cassação do exercício quando gravíssima. No estabelecimento da penalidade pelo relator em todos os regionais é possível utilizar os agravantes e atenuantes previstos no CPEP como forma de minimizar ou exacerbar a penalização.

       O CFBio e CFBM são os únicos que têm entre as penalidades a previsão de multa, no entanto o CFMV por meio de resolução específica também estabelece o pagamento de multas com valores variáveis segundo a gravidade do ato cometido.

       Por força de penalidades impostas pelo CRBio e CRBM os profissionais Biólogos e Biomédicos poderão ser suspensos de suas atividades profissionais por até três anos. O CRM e CRMV ficam restritos a imputar penalidade de suspensão de 30 dias ou 3 meses respectivamente para Médicos e Médicos Veterinários.

 

 

Bibliografia Consultada.

  1. BRASIL. Lei nº 6.684, de 3 de setembro de 1979. Regulamenta as profissões de Biólogo e de Biomédico, cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Biologia e Biomedicina, e dá outras providências.

  1. BRASIL. Lei no3.268, de 30 de setembro de 1957. Dispõe sobre os Conselhos de Medicina, e dá outras providências.

  1. BRASIL. Lei no5.517, de 23 de outubro de 1968. Dispõe sobre o exercício da profissão de Médico Veterinário e cria os Conselhos Federal e Regionais de Medicina Veterinária.

  1. CFBio. Conselho Federal de Biologia. Resolução CFBio Nº 02, de 5 de março de 2002. Aprova o Código de Ética do Profissional Biólogo. Publicada no D.O.U. em 21/03/2002.

  1. CFBio. Resolução CFBIO nº 05, de 8 de março de 2002. Aprova o Código de Processo Disciplinar. Publicada no D.O.U. em 04/04/2002.

  1. CFBM. Conselho Federal de Biomedicina. Resolução CFBM nº 259, de 28 de agosto de 2015. Aprova o Código de Processo Ético Profissional do Biomédico. Publicada no D.O.U. em 01/12/2015.

  1. CFBM. Conselho Federal de Biomedicina. Resolução CFBM nº. 198, de 21 de fevereiro de 2011. Regulamenta o novo Código de Ética do Profissional Biomédico. Publicada no D.O.U. em 20.04.2011.

  1. CFM. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.145, de 17 de maio de 2016. Aprova o Código de Processo Ético-Profissional no âmbito do Conselho Federal de Medicina (CFM) e Conselhos Regionais de Medicina (CRMs). Publicada no D.O.U. de 27/10/2016.

  1. CFM. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 1931, de 17 de setembro de 2009. Aprova o Código de Ética Médica. Publicada no D.O.U. de 24/09/2019.

  1. CFMV. Conselho Federal de Medicina Veterinária. Resolução CFMV nº 875, de 12 de Dezembro de 2007. Aprova o Código de Processo Ético-Profissional no âmbito do Sistema CFMV/CRMVs. Publicada no D.O.U. de 31/12/2007.

  1. CFMV. Conselho Federal de Medicina Veterinária. Resolução nº 1.138, de 16 de dezembro de 2016. Aprova o Código de Ética do Médico Veterinário no âmbito do Sistema CFMV/CRMVs. Publicada no D.O.U. de 25/01/2017.

 

 

* Médico Veterinário (CRMV-RJ nº 2753), Professor Titular do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da Universidade Federal Fluminense (UFF).

 

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