ÉTICA EM MEDICINA VETERINÁRIA

CFMV/CRMVs e Ordem dos Advogados do Brasil: porque diferem nas suas atuações.

Ismar Araújo de Moraes* e Andre Siqueira**.

Em 01/03/2018.

       Muitos colegas de profissão questionam o porquê de existirem diferenças nas atuações dos representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina Veterinária. A resposta, certamente, está embasada no próprio texto da Constituição Federal de 1988, precisamente no seu artigo 133, onde observa-se textualmente: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.  O referido dispositivo constitucional está posto no Capítulo IV (Título IV) da Constituição Federal vigente, e indica que são funções essenciais à Justiça: o Ministério Público, a Advocacia Pública, a Advocacia e a Defensoria Pública.

     Nesse contexto, não há dúvidas de que a Lei Maior é a única responsável por atribuir à Advocacia tratamento diferenciado e especial frente às outras profissões regulamentadas no Brasil.

      A Ordem dos Advogados do Brasil, historicamente, é uma instituição bastante antiga, criada através da publicação do Decreto nº 19.408, de 18 de novembro de 1930, sendo um dos primeiros atos do Governo militar de Getúlio Vargas.  O artigo 17 do referido Decreto, ipsis litteris, estabeleceu: Fica criada a Ordem dos Advogados Brasileiros, órgão de disciplina e seleção da classe dos advogados, que se regerá pelos estatutos que forem votados pelo Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, com a colaboração dos Institutos dos Estados, e aprovados pelo Governo”.  Atualmente, o Estatuto de regência da Advocacia é a Lei Federal nº 8.906, de 04 de julho de 1994.

     No que se refere ao sistema  CFMV/CRMVs, a data de sua criação é muito mais recente, e funda-se na Lei Federal nº 5.517, de 23 de outubro de 1968, que no seu artigo 7º trouxe o seguinte comando: “A fiscalização do exercício da profissão de médico veterinário será exercida pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária e pelos Conselhos Regionais de Medicina Veterinária, criados por esta Lei”. Cerca de sete meses depois o artigo 1º do Decreto nº 64.704 (17 de junho de 1969) regulamentou tal criação trazendo in verbis: Fica aprovado o Regulamento do exercício da profissão de médico veterinário e dos Conselhos Federal e Regional de Medicina Veterinária que a este acompanha”.

     Ainda que, coincidentemente, ambas as instituições tenham sido criadas por governos de regimes militares, as diferenças são significativas. A Ordem dos Advogados do Brasil representa uma categoria independente e ímpar no rol das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro, cuja missão é exatamente garantir que os direitos fundamentais e individuais dos cidadãos possam ser, na plenitude, exercidos. À OAB cabe defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, além de pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas, promovendo, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.

    Diferentemente o CFMV e os CRMVs constituem em seu conjunto, uma autarquia, sendo cada um deles dotado de personalidade jurídica de direito público, com autonomia administrativa e financeira.

   Enquanto a OAB tem competências outorgadas pela Constituição Federal de 1988, por exemplo legitimidade para a propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade e Ação Declaratória de Constitucionalidade, o CFMV tem por finalidade a fiscalização do exercício profissional do Médico Veterinário e do Zootecnista, devendo também orientar, supervisionar e disciplinar as atividades relativas à profissão em todo o território nacional, diretamente ou através dos Conselhos Regionais de Medicina Veterinária (CRMVs).  O Conselho Federal, assim como os Conselhos Regionais de Medicina Veterinária, não pode extrapolar para além de suas atribuições, que implica em tão somente atuar como órgão de consulta dos governos da União, dos Estados, dos Municípios e dos Territórios, em todos os assuntos relativos à profissão de médico veterinário ou ligados, direta ou indiretamente, à produção ou à indústria animal. Não existe amparo legal para algo além disso, ao contrário do que ocorre com a OAB, detentora de um campo de atuação que transcende à Advocacia.

      Das muitas diferenças existentes entre a OAB e os CFMV/CRMVs poderá ser observado que, para o exercício da advocacia no Brasil, é necessário que o Bacharel em Direito se submeta ao Exame de Ordem. Esta obrigatoriedade está prevista no Estatuto da Advocacia (Lei Federal n° 8.906/94). Por outro lado, para a obtenção do registro no sistema CFMV/CRMVs, bastará apenas a certificação de conclusão do curso para a inscrição em caráter provisório ou a apresentação do diploma para que o graduado possa exercer em definitivo a profissão de médico veterinário e/ou Zootecnista. Por tratar-se de lei Federal que autoriza um exame prévio para advogar, a prova da OAB é uma exigência natural para o exercício da profissão, no entanto, o mesmo não vale para a Medicina Veterinária e a Zootecnia, pois as suas normas de criação não trouxeram qualquer previsão para que pudesse fazer a “seleção”. Num passado não tão distante uma prova de certificação profissional chegou a ser exigida como condição indispensável à concessão do registro profissional, no entanto, por consta dos questionamentos e da falta de amparo legal (foi instituída através de Resolução específica, não por lei), o CFMV entendeu por bem não mais fazer tal exigência.

      Outra diferença interessante é que o regulamento da Medicina Veterinária não prevê a possibilidade de um estagiário atuar plenamente em atividades privativas do profissional formado. No caso, as atividades privativas de advocacia são permitidas aos estagiários desde que regularmente inscritos na forma do regimento geral, em conjunto com advogado e sob a responsabilidade deste.

      Enquanto a Lei 8.906/94 apresenta 87 diferentes artigos com mais de 330 parágrafos, incisos e letras para regular o exercício dos advogados, a lei 5.517/1968 dispõe de apenas 43 artigos e 87 parágrafos, incisos e letras.  Dada a sua pequena extensão na complexidade da matéria “regulamentação do exercício profissional”, o que se observa é a inexistência de capítulos específicos que tratem por exemplo da Sociedade de profissionais, do Emprego, dos Honorários, das Incompatibilidades e Impedimentos, da Ética profissional, do Processo disciplinar e dos Recursos, tal qual observado no regulamento da advocacia brasileira.

       Há de ser considerado que o regulamento da Advocacia no Brasil passou por diversas adaptações, com publicações de leis ao longo dos anos desde sua criação em 1930, permitindo os ajustes e adequações para a realidade atual, ao passo que a Medicina Veterinária, desde 1968, teve somente alterações na legislação de modo bastante sutil em duas ocasiões, em 1970 e 2003. Se é o momento de repensar e buscar a aprovação de uma nova Lei para o exercício da Medicina Veterinária, assumindo todos os riscos de interferências de outras profissões bem representadas nas casas legislativas, não podemos afirmar, mas sabemos que este é um assunto interessantíssimo para uma reflexão.

      Além das outras diferenças que não foram aqui  comentadas, o que se observa é que a OAB vem bem representando o seu papel para a construção de uma sociedade mais justa e solidária, enquanto o CFMV/CRMVs estende esse dever de ofício para que seja praticada a justiça não somente para a sociedade, mas também para os animais e o meio ambiente.

Autores:

* Médico Veterinário (CRMV-RJ nº 2753), Professor Titular do Departamento de Fisiologia e Farmacologia da Universidade Federal Fluminense (UFF).

** Advogado (OAB/RJ nº 113720) Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Rio de Janeiro (CRMV-RJ).

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