ÉTICA EM MEDICINA VETERINÁRIA

No que concerne o ensino da clínica médica a profissionais não médicos-veterinários.

Postado por ismaraujo em 21/jul/2021 - Sem Comentários

Ismar Araújo de Moraes

21/07/2021

No atual cenário de ensino brasileiro são muitos os cursos voltados para o ensino da medicina veterinária e zootecnia e outras áreas tais como a agronomia que estão voltados para o desenvolvimento da agropecuária brasileira. E o desordenado processo de abertura de cursos nessas áreas vem trazendo riscos não só para os profissionais, mas também para as instituições, a sociedade e os acadêmicos envolvidos.
A clínica médica-veterinária é uma disciplina que só deve ser oferecida aos acadêmicos e futuros profissionais da Medicina Veterinária, e  para tal cumpre seguir um protocolo de construção de conhecimento que não pode prescindir frequentar disciplinas obrigatórias pré-requisitos consideradas no projeto pedagógico do curso, o qual deve estar  sempre alinhado com a Lei 5.517, de 23 de outubro de 1968 , que regula a profissão dos médicos-veterinários. Isso vem ao encontro da necessidade de construir processos dentro de um curso sem jamais desrespeitar  regras da legislação federal ou deixar de considera-las, afasta-las ou derroga-las.
Como “Pré-requisitos”, entende-se  a oferta de conteúdos de ensino prévios para se ter a base sob a qual se permitirá  ao aprendiz o adequado entendimento de uma dada disciplina que será oferecida mais adiante. Num processo de construção de um currículo as autoridades do ensino levam em consideração a necessidade de proporcionar a construção do saber, dando a base com oferecimento de conteúdos  mais simples, facilitando ou permitindo absorver outros de maior complexidade que virão à posteriori.  Igualmente, é preciso ter conhecimento já solidificados sobre o  que é normal ou fisiológico para adequadamente entender a etiopatogenia dos processos mórbidos que é um dos objetos do ensino da clínica médico-veterinária.
Mesmo estando num ambiente de academia, ainda que óbvio, esse princípio básico dos pré-requisitos mínimos, por vezes não são considerados e ocorre o oferecimento de saberes ou disciplinas típicos  da clínica médico-veterinária para profissões afins.
Não obstante os prejuízos relacionados com a prática para os envolvidos que abordaremos mais adiante neste  artigo, trata-se de esclarecer a existência de vedação legal, supra universitária, para o exercício da clínica médica-veterinária pelos profissionais não médicos veterinários, o que implica por consequência direta no não oferecimento de tal disciplina ou conteúdos específicos  para alunos alheios ao curso de medicina veterinária.  Essa vedação legal foi  imposta pelo artigo 5º da Lei 5.517, de 23 de outubro de 1968 .

Art 5º É da competência privativa do médico veterinário o exercício das seguintes atividades e funções a cargo da União, dos Estados, dos Municípios, dos Territórios Federais, entidades autárquicas, paraestatais e de economia mista e particulares:

        a) a prática da clínica em todas as suas modalidades;

Aos acadêmicos de outras áreas, os conteúdos de clínica médica-veterinária são desnecessários e uma vez creditados na sua formação, em nada contribuiriam e podem trazer prejuízos por representar a real possiblidade de perda de outros créditos obrigatórios e naturalmente úteis no seu processo de obtenção saberes de fato importantes e úteis para o seu exercício profissional. Ademais, se desrespeitado o preceito legal informado, abre porta para fomentar o possível exercício ilegal da profissão do médico veterinário, considerada até aqui como contravenção penal, com prejuízos para a sociedade e para a imagem de um profissional sempre ético que é requerido pela sociedade. Os códigos de ética profissionais normalmente trazem como princípio basilar vedar praticar no exercício da profissão, ou em nome dela, atos que a lei defina como crime ou contravenção, ou mesmo ser conivente com tais práticas.
Não caberia aqui discutir se haveria  riscos  por consequência de proporcionar a  habilidade na clínica médica-veterinária para estudantes de outros cursos, que não a Medicina Veterinária. Habilitá-los em área privativa da Medicina Veterinária é vedado até mesmo aos médicos-veterinários, tanto por atos legais como infralegais. No caso,  se um docente médico-veterinário vier  ensinar conteúdos privativos de sua profissão para outrem, caberá processo ético disciplinar,  conforme a Resolução nº 1138, de 16 de dezembro de 2016 que aprova o Código de Ética do Médico Veterinário. No  inciso V do  artigo 9º, assim como no inciso I do artigo 17  dessa resolução, fica clara a vedação e o dever de cumprir as normas sob pena de configurar prática de infração grave passível de punição com a aplicação da pena de suspensão do exercício profissional por até 90 dias.

Art. 9º O médico veterinário será responsabilizado pelos atos que, no exercício da profissão, praticar com dolo ou culpa, respondendo civil e penalmente pelas infrações éticas e ações que venham a causar dano ao paciente ou ao cliente e, principalmente;

V – deixar de cumprir, sem justificativa, as normas emanadas dos órgãos ou entidades públicas, inclusive dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina Veterinária;

Art. 17 O  médico-veterinário deve:

 I – conhecer as normas que regulamentam a sua atividade.  

No caso de atendimento clínico a animais por profissionais com pressupostos saberes de área tão complexa dentro da Medicina Veterinária, decerto  há risco para esses pacientes atendidos , pois evidentemente teriam colocados em risco a segurança e o bem-estar do animal que tem direito à uma intervenção clínica apropriada e capacitada. Àquele que pratica tal ato, por consequência, além de proporcionar o cometimento de contravenção penal, o ato considerado lesivo à saúde e bem-estar do animal,  a luz do regramento jurídico atual incidiria  também  em cometimento de crime ambiental previsto na Lei nº 11.794, de  8 de outubro de 2008.
Por fim, é preciso que os profissionais estejam atentos para evitar problemas civis, criminais ou ético-profissionais e cabe às instituições de ensino sempre  zelar não só pelo oferecimento de conteúdos de ensino adequados, pertinentes, amparados legalmente e de qualidade, como forma de formar bons profissionais e contribuir com o processo de formação cidadãos conscientes de seus limites e competências profissionais para exercer o seu papel na sociedade.

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